quarta-feira, fevereiro 02, 2011

deu no site dos jornalistas profissionais do rio de janeiro a notícia da morte de oderfla almeida, o fla fla.

edilson martins e álvaro costa escreveram sobre ele . veja abaixo.

antes deixe contar um fato vívido. era anibersário de renato, o renato thomaz da silva, que cobria a baixada fluminense para o JB. combinamos de comemorar no maria torta, um bar, casa de chá, onde marly medalha tocava piano e era uma das proprietárias junto com ida mansur, e que ficava de frente para o mar do saco de são francisco. nesta época ainda era saco de são francisco. depois é que tiraram o saco. mas isto é outra história.
o encontro foi lá em casa, também no mesmo bairro, e de lá saímos todos para o maria torta. quem era de beber já havia bebido todas. era o caso de oderfla.
junto foi conosco uma senhora de seus oitenta e poucos anos, dona ivan. qualquer doce, perto dela travava no sabor. cristina mansour fazia parte do grupo também.
era filha de ida e, às noites, íamos praticar windsurf num dos clubes da estrada fróes.
cristina era uma garota. hoje sei que mora na itália e casou.
voltando ao enredo, já no maria torta, várias mesas juntas, marly ao piano, fla fla descalibrado de forma etílica pede dona ivan em casamento.
não foi da boca pra fora. ele insistia, segurava a mãe de dona ivan e a beijava. até que dona ivan concordou. ele recostou a cabeça no ombro dela e dormiu. (fla fla falava mais com as mãos do que italiano-conservar quieta em suas mãos a de dona ivan foi uma proeza e tanto).

dona ivan, com ar divinal mantinha terna, sem tombar, a cabeça do fla fla em seu ombro.

isso que conto tem muito tempo. há muitos anos dona ivan morreu. assim como fla fla que morreu agora.
só que o fim da história fiquei sem saber. cristina usava gadernal e tomou bebida alcólica o que poderia ter-lhe custado a vida. ela passou muito mal e a levei para a clínica são francisco que ficava ao lado do bar. alí terminei a madrugada.

no dia seguinte, dona ivan se diverte com a noite que passara. estava feliz. na segunda feira encontrei fla fla no jornal. e rimos muitos de seu arroubo amoroso. sei que os dois ficaram amigos, até onde acompanhei a vida deles.
era um tempo em que se prezava a felicidade, o afeto e o respeito a si mesmo e ao outro.

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24.01.2011
Rede social, Oderfla e a escolha da morte - Por Edilson Martins

No sábado de manhã foi anunciada a morte do Oderfla. Como não poderia deixar de ser, o anúncio circulou nas redes sociais – hotmail, facebook, tuíter, orkut, messenger, etc.

Até aí nada demais, exceto a morte do Oderfla. Curioso que a informação, perda lastimável e até dolorosa para algumas pessoas entre as quais me incluo, tenha percorrido o caminho da alta tecnologia, das revoluções cibernéticas, coisa que ele nunca celebrou. E da qual jamais seria refém.

O sujeito que já nasceu se chamando Oderfla, um patético Alfredo ao contrário, certamente não teria moleza em sua caminhada pelo mundo.

A vida já não é fácil para nomes pomposos como Álvaro, Edmilson Siqueira, Beatriz, Carmen, Vivaldo Cruz, Sérgio Alcântara, William Weber, imagina o que não aprontaria com um Alfredo às avessas.

E foi apenas uma questão de tempo. Se lá nos idos das utopias, dos sonhos acreditados, das angústias profissionais, das escolhas ideológicas, Fla-Fla sempre se viu diante de encruzilhadas, e que não foram poucas; se tudo fez para suportar essa nossa existência que não chega a ser nenhum mar de rosas, e como tal passou a vida sempre assoviando suas árias, seus concertos, suas sinfonias; e sempre compreendendo, acredito, que essa tática, vamos dizer estratégia, era uma razoável opção para exorcizar o nada, o éter, o absurdo da existência, as sacações sartreanas e camunianas, que ele adorava registrar.

Ele certamente nem seus amigos jamais imaginariam que seria submetido a uma morte lenta, gradual, torturante, homeopática. Sacanagem.

Fla talvez não merecesse, ele que sempre foi ternura, companheirismo, generosidade; eu que o diga, posto que provei, na carne, nos percalços da vida, todos esses sentimentos seus.

Duas horas antes de sua morte eu ainda acreditava em deus. Cheguei mesmo a conversar com essa entidade reclamando algumas coisas, maldades inoportunas. Deus sempre foi um herói cultural que me ensinaram a temer, reverenciar e tomar muito cuidado. Pois bem; os últimos meses, anos, do Oderfla foram um rosário de sofrimento. Então, rompi com deus. E tamos falados.

O que não tamos falados é que nesse mesmo dia, sábado, ontem à noite, fomos assistir ao filme “Rede Social”. Levado por duas pessoas queridas do Fla. E o que tem a ver as calças com a cueca? Tudo ou quase tudo. O que tem a ver sua morte com esse filme, meu deus? O que tem a ver o vôo da sabiá com o dia de neblina? As filas quilométricas das Paineiras pra ver o Cristo? Os versos de despedida de Machado para sua amada Carolina? O sorriso de uma dama, ontem no restaurante, que quando me aproximei todo carente, todo frajola, ela corrigiu: “Me enganei, não é a pessoa que imaginava?” Aparentemente nada, mas talvez, em verdade, alguma coisa.

“Rede Social” é uma excelente, super bem feita, bem escrita, bem copidescada crônica da alma americana. É a apologia de uma cultura, de uma concepção de mundo. E não tem essa história de capitalismo e comunismo. É tudo farinha do mesmo saco. É difícil encontrar um excluído, um pobre, um sofrido, que não seja humano, boa-praça, generoso, bonzinho mesmo. Nas barrancas dos rios que percorro, no vale do maior rio do mundo, nos grotões invisíveis da miséria social,nas bandas do norte, só encontro gente boa, do melhor quilate.

Vejamos essa gente com poder. Aí a chapa esquenta, o amigo chora e o outro não ouve, cachorro late e não tem mais dono.

A Glória vai mais longe; garante que o filme exprime a alma de todos os povos, de todas as culturas. A crônica transparente, transparente como o nascer do Sol, transparente como o sorriso do Diogo nos primeiros meses de vida – posto que depois deu no que deu – de que o ser humano não é nenhuma flor que se cheire, impunemente.

Exceto, algumas figuras, e vamos incluir o Oderfla, por que não? Vale para Dom Pedro Casaldáliga, o bispo da Teologia da Libertação nos anos de chumbo. Vamos abrir uma vaguinha para o Cláudio Villas-Boas, aquele maluco que entre civilização e barbárie escolheu a última.

E por que não o Chico, o Chico Mendes? Merece também ser convocado o Seu Antônio, porteiro do meu prédio, na Sousa Lima, que bateu as botas ainda nos anos 70, mas antes me livrou a vida dos meganhas da ditadura; a Dora, seringueira valente que conscientizou todos os companheiros de seu Seringal. E assim por diante.

Em verdade, em verdade o ser humano é a única espécie na terra que vive essas transformações, que é capaz de chutar o pau da barraca. A galinha nasce e morre galinha; o mesmo ocorrendo com o cavalo, com a onça, com a guariba, com o caititu, e assim por diante. O ser humano, alguns, são capazes de absolver a silenciosa miséria de nossa espécie. Silenciosa, nem tanto, preciso corrigir.

O personagem central, no filme, o criador do Facebook, um jovem em sua expressão suprema, é uma bela mostra do ser humano, principalmente quando a vida nos pune fornecendo poder.

Frio, calculista, mau caráter, é o homem vitorioso. E eles agora, esse modelo, estão chegando ao Brasil a todo vapor. Ouvimos a todo momento: a economia brasileira bate recordes, o país está crescendo, novas classes sociais estão emergindo para o consumo e como tal estamos encantando o mundo; o Brasil está bombando.

O filme é bom, roteiro bem resolvido, sem gordura, um ritmo alucinante; certamente vai ganhar os Oscares da vida. É a crônica vitoriosa da rasteira, do carrinho desleal, das cotoveladas para passar à frente, da dissimulação, da tocaia, da política e dos negócios brasileiros, pouco importando, ética, princípios, generosidade. Tudo vale em nome dos fins.

Alguma coisa me diz que o Oderfla – que antes de morrer já tinha morrido – optou por esse caminho de forma consciente e clara. Em nosso último encontro, há quatro anos, imagino, produzido sempre pelo Vivaldo, dei carona para ele retornar a Niterói.

Não o tratei como doente, como depressivo, pelo contrário. A Glória, até desconfio, me censurou com aquele seu jeitinho inteligente e aristocrático de indicar limites. Ele chegou caído e voltou de pé. E me disse algo que só eu ouvi. Provoquei: “Porra, Fla, para com essa encenação de recolhimento, cara. Tá parecendo jabuti.”

Ele olhou, deu um meio sorriso e na lata devolveu: “Mermão, não tá dando mais não, tou fora.”

Tenho uma tese. Todo idiota sempre tem teses. As tenho de mãos cheias. Esse mundinho dos facebooks, dos blogs, dos orkuts, dos tuíters, das viagens de ego – “estou agora jantando e vendo o Huck com a Angélica ”; “o Caetano Veloso acabou de me cumprimentar na porta do Estação” –, repito, não era bem o mundo sonhado em seus delírios juvenis de mudança do mundo, de tradução do éter, de celebração e degustação do mestres da música, dos seus grandes clássicos.

Decidiu então se recolher. E fê-lo com serenidade. Os doutores do juízo ligeiro logo diagnosticaram; O Oderfla tá mal, precisamos visitá-lo, ele está muito deprimido.

Fla, uma alma como a sua, mergulhada em sons, ética, bom caráter e generosidade, está comendo o pão que o diabo amassou, cada vez mais insulada nesse imenso rio Amazonas de trocas, informações, vida on-line, produção de besteirol que encerra o planeta virtual.

Fantástica, vitoriosa revolução do mundo virtual. Ela comunica, como nunca antes, de forma até pouco tempo inimaginável, mas por outro lado, tragicamente, doidamente, já não aproxima mais ninguém. Bye-bye, Fla-Fla; apressa-te que a fila anda.

Edilson Martins

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Morreu o nosso querido "clown" - Por Álvaro Caldas

A notícia da morte me pegou fora do Rio, chegou pelo celular, sábado mesmo de manhã, através do Sérgio Campos, um destes que gostava muito do Fla, Fifa, OSA, entre os vários apelidos ou codinomes que usou ou lhe foram atribuídos. Com o Sérgio estive com ele a última vez, no hospital, no Barreto. Já não nos reconheceu, não conseguia falar, sorrir, atado a fios e engrenagens que sustentam uma vida absurda e impossível.

Por que amávamos tanto o Oderfla? Esta é uma questão que sua morte repõe.

Vivi com ele várias experiências gratificantes e marcantes, tanto na faculdade quanto fora dela. Aprendi muito com o Oderfla, e não foi apenas aquela história contada pelo Vivaldo de que ele me introduziu no mundo da música clássica. Foi meu paciente professsor e de outros, ele que era impaciente, queria tudo muito rápido, mas sobretudo um apaixonado pelo mundo dos compositores clássicos.

Chegou a estudar para ser maestro, possuía um ouvido soberbo, para meu espanto reconhecia melodias de sinfonias e sonatas ao primeiro toque, e conhecia a vida e as paixões de cada um dos seus eleitos. Falava de Bach, de Beethoven, de Korsakov, de Mendhelson como se fossem nossos companheiros de mesa de bar.

Ele, Arquimedes e eu certa noite fenefiana, passada na areia da praia Vermelha, namoramos a mesma musa, Mariuza, que nos chamava de “estetinhas”. Depois cada um escreveu um texto surrealista sobre aquela reveladora experiência, em que inocentemente acrescentamos um personagem ao Jules e Jim do Truffaut.

Creio que todos temos alguma coisa para contar, em todos ele deixou sua marca.E que marca era esta? Antes de tudo o humor, a simplicidade, a irreverência, o desprendimento, a alegria e uma certa e sábia porralouquice que a todos contagiava. Uma espécie de “clown” que não queríamos perder, precisávamos ter sempre do nosso lado. Era a nossa porta de saída da caretice, do bom mocismo, a nossa porta para uma outra percepção.

Ele era mais livre, mais destemido, mais anárquico, como que desafiando nossa pretensa “sabedoria e seriedade”. Mas com toda humildade, nunca quis se impor, não gostava de desavenças, detestava discussões cerradas.

E falava paca, soltava a emoção sem censura. Ás vezes era difícil de ouvir, eu tinha que gritar “porra, Oderfla, dá um tempo, ouça”. Quantas vezes enchemos a cara naquelas tardes, final de expediente, ali no bar nos fundos da Lidador da Sete de Setembro, com Ernesto, Nacif e tantos outros.

Foi fundo em tudo, no álcool, na sua maconha, companheira diária de uma viagem que só a muito custo e sofrimento largou. Mas aí já foi o início do fim. Quiseram enquadrá-lo, matar o belo e inquieto “clown” que havia nele, e, claro, ele não suportou. Foi definhando até apagar. A ele, portanto, nossa homenagem, que o Fifa merece.

Beijos e abraços,

Álvaro Caldas





aproveito para postar o documentário chico mendes feito por edilson martins

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