sexta-feira, julho 19, 2013

O CASO DO BIGODE




Esther Lucio Bittencourt


Tem pra mais de 50 anos o caso do Vicentinho. 
Era um tal galorote de barba mal despontada que avisou que a bela mulher de saia remexendo os quadris descia a rua com a criança na mão. 
Vicentinho já estava sentado na cadeira do barbeiro. Àquele um que ficava na esquina da rua mais movimentada da cidade de poucas almas.
Hoje finou.
Então o galorote , todo empinado , que ia receber as pagas do bicho que seu pai botava banca, no tempo do tudo permitido, colocou o pé na parede da casa,  como os homens faziam,  repousou as costas nela, de frente para a calçada , e acompanhou a andada da mulher . Avisou pra dentro da barbearia que parece que ela está vindo nesta direção .
Vicentinho deu um salto até a porta da barbearia, com risco da tesoura de mestre Aroldo fazer estrago no seu cultivado bigode e, com meia cabeça para fora , acompanhou o trajeto. Quando viu que era vero, que ela vinha que nem vento balançando a roseira, nos saltos altos, de classe, a mulher, direto em linha reta para o empreendimento, saltou de volta para a cadeira e pediu que o Mestre dos cabelos e bigodes aparasse um fio rebelde imaginário.
Seu Aroldo pegou da navalha com a mão trêmula, para fazer a cena mais convincente, e fingiu que acertava as penugens que nascem entre o bigode e o nariz. Belo bigode,  dizia a cidade para o maior garanhão que vivia pelas paragens. Vicentinho, sempre de calça esporte e paletó fino já havia provado de um tudo dos sabores femininos, dizia garboso.
A mulher entrou na barbearia e perguntou pro mestre   se ele atenderia mais alguém além do homem sentado na cadeira pois trouxera seu filho para cortar o cabelo.
Coisa de pouca monta a fazer nesta barba, garantiu mestre Aroldo.
A mulher sentou na cadeira, cruzou as pernas justo em frente ao espelho onde estava a cadeira do Vicentinho e onde o mestre esmerava em apontar os fiapos.
O nervoso foi sentido até na cidade vizinha. Mestre Aroldo raspou de um só golpe metade do bigode cevado do Vicentinho.
Ar parado, nem suspiro dava para ouvir. Mas nenhum deles tirava os olhos das pernas da mulher. Mulher de família, letrada, pois que ensinava o alfabeto para a criançada da escola. Muito digna, isto sim. O que não impedia a beleza das curvas e das retas.
O Galorote, atento ao movimento, reteve a respiração: Vicentinho com meio bigode!
Mestre Aroldo fez o que fez , mas precisou rapar tudo. Nem um só fio restou no rosto do Vicentinho que, cabisbaixo de vergonha da cara nua, saiu da barbearia.
Enquanto cortava o cabelo do filho da mulher Mestre Aroldo pensava: este nunca mais que vem aqui e é bom cliente.

Dia seguinte, Mestre Aroldo abre a porta do empreendimento e logo chega Vicentinho que todas as manhãs tinha um fio rebelde de bigode para aparar, mas, desta vez, glabro. 
Apertou a mão do Mestre e disse , voz de baixo: Foi justo, foi  justo.


Um comentário:

Jorge Carrano disse...

Querida Esther,
Deliciosa linguagem, meio caipira, que lembra goiabada com queijo.
Adorei a forma e o conteúdo. E terminar com o glabro que li em Chico, foi um achado. Só faltou o esgargalado do Saramago.
Beijo